Tonhão
Tonhão era mergulhador profissional. Alto, forte, moreno,
com fôlego suficiente para ir ao fundo do rio e encher latas e latas de areia,
uma areia especial, para poucos. Embora
morassem na roça, seus filhos estudavam na escola da Colônia. Escola pequena,
pois o distrito tinha apenas 96 pessoas, contadas pelos alunos da professora
Marialda.
Por conhecer bem a região e ter grande resistência física, Tonhão
era requisitado sempre que pessoas queriam explorar o rio Formoso, com suas
águas povoadas por lendárias sucuris. Dessa vez não foi diferente.
Forasteiros precisaram
de um guia. Estavam há pouco tempo na cidade e queriam fazer uma excursão por
água. Mesmo sendo imprudência, já que o tempo era de muitas águas!
Passearam toda manhã e ao chegarem a um ponto onde havia um
restaurante caipira, pararam para almoçar. Estavam eufóricos, alguns inclusive,
embriagados. Era sábado, diria Vinícius!
Depois de lauto almoço decidiram continuar o passeio. Subiriam
o rio para descê- lo, em seguida, apreciando a exuberante paisagem. Na volta,
parariam na “baixa fria” para ouvir Ednardo cantando “Pavão Misterioso”, na
radiola do clube. Ali continuariam suas bebedeiras enquanto as crianças
ficariam jogando ”o homem de seis milhões de dólares” e a noite se fizesse.
Logo na saída, porém,
o barco bateu na raiz de uma árvore que estava metade submersa e virou. Os
tripulantes, muito assustados, não conheciam aquelas águas, tão barrentas e
pesadas em tempos chuvosos. Além disso, poucos eram os que sabiam nadar. Tonhão, com sua prática
de mergulhador, foi salvando todos. Oito, salvos um a um e devolvidos à margem,
em segurança. Finalmente a última, uma
mulher, que agarrada a uma galhada, esperava por socorro. De repente recomeçou
a chover, fortes rajadas de vento dificultando o resgate. Um homem, atraído
pelos gritos se aproximou a tempo de presenciar uma cena hollywoodiana: uma
enorme sucuri, surgindo de uma moita de capim, do alagado que se formara ali às
margens, se atirou com uma rapidez impressionante, sobre a mulher. O homem que
se chamava Deusdete e portava sempre uma faca, por ser caçador, pulou na água e
lutou com a sucuri, ajudado por Tonhão. O monstro soltou a mulher e o agarrou. Os
dois lutaram com uma sucuri indiferente aos golpes deferidos pela faca, até
Deusdete ter a feliz ideia de enfiar os dedos nos olhos da cobra. Solta, ela
desapareceu nas águas escuras e profundas. Deusdete continuaria com a cabeça
apertada até o fim dos seus dias, por muitas noites teria longos pesadelos. Seu
juízo ficaria irremediavelmente sufocado depois do abraço fatídico.
A mulher, já
empurrada para uma parte rasa e, aterrorizada diante da cena, quis segurar outra galhada, mas, acabou deslizando na argila do barranco próximo.
Com desespero, atirou-se ao encontro de Tonhão. Este, cansado, procurou acudi-la,
porém, com a agonia típica de náufragos, ela agarrou em seu pescoço e os dois,
debatendo-se muito, afogaram-se ali, aos olhos de todos. Ninguém tentou salvá-los,
nem conseguiria se tentasse. O salvador se fora, apesar do pedido insistente da
música ao longe: ”me poupa do vexame de morrer tão moço, tanta coisa ainda
quero olhar”.
A chuva continuou forte por todo o mês de janeiro. A escola
fechada lembrando a tristeza dos filhos de Tonhão, enquanto as águas turvas do
rio, pouco a pouco foram se tornando claras...