Cajuí e aí?
É tempo de mangas...
E eu mais uma vez, tendo que buscá-las na vizinhança! Logo eu, que
considero "pé de manga" um elemento indispensável a uma casa, aqui em Palmas. Eu, que sempre amei os quintais, ao invés de casas e que
preferi adquirir um quintal com modesta casinha a uma bela casa com pequeno
quintal, só para ter mangueiras!
Tudo isso culpa do meu pé de cajuí. Sim, porque, é
claro que minha primeira providência ao adquirir o quintal, foi plantar uma
mangueira, já que não havia espaço para uma fava-de-bolota. E como eu tivesse
pressa em possuir uma frondosa sombra, nem pude me dar ao luxo de esperar. Neguei-me tal prazer diante da urgência de outro maior: a sombra da minha
mangueira, a tão sonhada sombra que seria a fiel companheira e testemunha dos
meus delírios literários!
Assim, procurei
uma muda já crescida, para não ter que esperar tanto. E apesar de achar
mais importante a sombra, resolvi escolher uma espécie que fosse também saborosa,
pensando num duplo prazer futuro. Não precisei andar muito para descobrir,
embaixo de uma mangueira, de deliciosos frutos, uma pequena muda, bem no canto
do muro. Quando comecei a cavar para retirá-la, descobri o que já
suspeitava: a raiz era muito profunda, a mangueirinha estava há um longo
tempo ali. Seu crescimento fora atrofiado pelas adversidades da estiagem e do muro. Então, tendo que cavar bastante e, sem luvas, usando como ferramenta uma
colher, vi minhas mãos sangrarem. Continuei até conseguir extrair uma raiz
enorme e desproporcional para minha raquítica mangueirinha. Sim, porque agora ela era a minha, já me pertencia!
Após uma espécie de parto, ninguém iria me
convencer que teria sido melhor uma árvore sem traumas. Aquela era a minha, e
eu estava disposta a ajudá-la a superar tudo, até conseguir ostentar sua
majestosa sombra. Como eu me dediquei! Com muito cuidado escolhi um local,
contei passos, analisei, evitei a proximidade de postes e fios, preparei a
melhor “cama” de terra preta, entoei mantras e num verdadeiro ritual xamânico,
deitei amorosamente minha muda ao solo. Ela me agradeceu!
Foi crescendo, crescendo, crescendo... eu embevecida, dedicava-lhe meu extremo afeto. Cheguei
até ordenar uma poda no cajueiro, para não interferir em seu desenvolvimento.
Logo eu, que não aceito podas de nenhuma espécie!
Por fim, chegou o grande dia da florada!
Algo porém, estava estranho, não tinha cheiro de flor
de manga. Observei bem e constatei que também nem tinha aspecto de manga. Então,
decepcionada, descobri que havia sido iludida durante todo esse tempo: não
havendo flor de manga, não era uma mangueira!
Revolta de mãe enganada! Seria possível?
Tanto tempo gasto gestando minha sombra de
mangueira iria resultar em outra sombra
de cajueiro? Não, cajueiro eu já tinha dois, não havia espaço para mais um. E
sombra de cajueiro não produz versos, não os daqui de casa! As sombras são
mirradinhas, sem força para lutar contra um sol que incide
próximo ao paralelo 13. São sombras de árvore de aspecto sucumbente, já
castigadas pela inclemência do astro maior e sem condições de gerar beleza poética.
Eu queria minha sombra de mangueira, havia plantado
uma mangueira. PROCOM?
Machado! Foi meu primeiro impulso, impulso homicida.
Então, e todos os meus anos de ativismo?
Ainda bem que nunca comprei um machado! E ainda bem
que somos propensos a reconsiderar! Reconsiderei. Primeiro tive que me
convencer, relatando intimamente a luta da arvorezinha que resistiu mais de ano
entre as frestas de um muro, sem contato com terra fofa, água ou nesga de sol.
Humanizei a trajetória de vida do meu pequeno cajueiro e o perdoei, como
perdoamos àqueles que são sujeitos a infortúnios.
Ele soube agradecer!
Sua gratidão veio em forma de grande carga, frutos
doces e saborosos como só os do nosso cajuí! E vermelhos! Vermelhos como se
expressassem sua paixão pela vida, ampliando sua condição de alimento e
atingindo patamares poéticos!
Apesar de raquítico, meu cajuizeiro me presenteia
com grande quantidade de frutos, todos os anos. Tantos que chegam a causar
dúvidas, muitos não entendem como árvore tão singela produz assim. Eu entendo! Primeiro porque conheço o Cajuí, conheço sua
força. Tenho intimidades de infância com esse tipo encantador de caju. Mesmo
sendo minúsculo, possui elevado teor de sacarose, beleza e poesia, nosso enfeitador
natural do cerrado! Depois, porque sempre apostei na força dos que resistem,
eles são capazes das maiores façanhas!
Plantei outra mangueira, que também achei em um
canto de muro, mas não embaixo de uma mangueira maior. Não preciso dessa
garantia! Peguei a primeira muda que achei com aspecto de “pé de manga” e finquei ao solo. Não
quero nem saber se é manga rosa, espada ou folhinha. Quero a sombra e isso é
tudo. Mas não sombra de cajuí, que já tenho aqui, não de araucária, que não sou
Bandeira*. O que quero mesmo é sombra de mangueira!
*Referência ao poeta Manuel Bandeira
autor do poema “À sombra das araucárias”