Encantamento
O sonho foi do meu pai e do seu amigo de
infância. Sonho mesmo, desses que
acontecem depois de dormir. Será que há
alguma explicação freudiana para sonho compartilhado?
Um morto voltou em sonho. Precisava se desafogar do
fato de ter enterrado ouro em vida, um ouro que ocultou avaramente,
possivelmente imputando privações materiais à própria família. Para garantir a
eficácia da missão, voltou não apenas para um escolhido, mas para dois, escolhidos
criteriosamente, em uma minúscula cidade de interior. Como um deles foi
meu pai, o homem mais íntegro que conheci, cresci acreditando piamente em tudo
que aqui relatarei. Até porque só depois
é que li Nietzsche e meus olhos enxergaram outras verdades.
Meu pai contava que no
sonho, o morto lhe pedia que procurasse um amigo e fossem juntos a uma
determinada casa, desenterrar um ouro. Ao acordar foi ao encontro do amigo,
que já estava no meio do caminho, vindo exatamente encontrá-lo, pois também
havia sonhado igual e recebido as mesmas orientações. Mas como eram jovens e a
história aconteceu ainda na década de 50 do século XX, numa pequena cidade
cheia de medos, nada fizeram. Os anos se passaram.
A casa continua lá. Meu
pai, sem cumprir a vontade do morto, tornou-se morto também.
Não compraremos, meu irmão e eu, a tal casa, como planejamos. Não tenho mais interesse. O principal tesouro que lá havia para a menina que, movida pela curiosidade, conseguiu ali se imiscuir um dia, é insalubre. Atualmente, talvez, morto. Sim, o grande tesouro que provocou faíscas em meus olhos foi um “rego”dentro da cozinha. Um estreito córrego, com piabas, que só existia ali, devido à carência material dos moradores da pobre casa.
Não compraremos, meu irmão e eu, a tal casa, como planejamos. Não tenho mais interesse. O principal tesouro que lá havia para a menina que, movida pela curiosidade, conseguiu ali se imiscuir um dia, é insalubre. Atualmente, talvez, morto. Sim, o grande tesouro que provocou faíscas em meus olhos foi um “rego”dentro da cozinha. Um estreito córrego, com piabas, que só existia ali, devido à carência material dos moradores da pobre casa.
Eu, que na época não entendia de insalubridade
nem de muitas coisas, que ainda
“mantinha a mente aberta, tão aberta a ponto do cérebro cair” e desapontar
Sagan*, na hora interpretei o sonho do meu pai: o ouro havia se encantado, como em toda boa história de encantamento. Só que a cobra eem que ele se transformou
para picar a pessoa não escolhida, como sempre acontece nos causos, foi uma cobra-água. Caudalosa e arredia como o réptil, porém apenas elemento água. Um charmoso
reguinho que ainda hoje serpenteia em minha memória e que por longos anos foi o
tesouro que mais desejei! Apesar de ser, contraditoriamente, o calcanhar de
Aquiles da desafortunada família daquele que encantou o tesouro!
*Carl Sagan, cético e astrônomo, autor da frase: "você deve manter
sua mente aberta, mas não tão aberta que o cérebro caia".
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